Memórias Paroquiais de Cabeceiras de Basto
São Nicolau de Basto (ano de 1758)
Relação das coisas que há nesta freguesia de S. Nicolau de Basto conforme os interrogatórios a que me manda responder o Muito Reverendo Senhor Doutor Provisor da Mitra Primaz. Domingos Camelo de Sousa, reitor da freguesia de São Nicolau de Cabeceiras de Basto e sua anexa São João Batista de Bucos ambas do concelho de Cabeceiras de Basto, do Arcebispado de Braga Primaz das Espanhas, etc.
Certifico que em cumprimento de uma ordem que do Muito Reverendo Senhor Doutor Provisor da Corte Primaz de Braga, me veio com um papel de interrogatórios impressos que da Majestade Fidelíssima Nosso Senhor que Deus guarde lhe tinha vindo.
Li e examinei o mencionado nos ditos interrogatórios e por todos eles achei que esta freguesia ele São Nicolau é do termo do concelho de Cabeceiras de Basto, da comarca de Guimarães, do Arcebispado de Braga Primaz das Espanhas e da Província de Entre-Douro-e-Minho cujas justiças são postas por EI-Rei Nosso Senhor que Deus guarde.
Tem esta dita freguesia duzentos e vinte fogos e setecentas e trinta e sete pessoas de sacramento. Está situada entre montes altos e ásperos e por esta causa é bastantemente extensa por se meterem os ditos montes entre lugar e lugar e em baixos ficam os campos em que os seus nacionais cultivam os frutos que recolhem.
Tem três lugares que cada um deles dista da igreja meia légua e são montanhas ásperas. Terá de distrito por toda em quatro uma légua. E nela se não descobre povoação alguma [à margem: aldeias] e tem os lugares seguintes: Breia, Casal, Encorturas, Sendim, Celeiró, Lapela, Lamelas, Penedo, Frágua, Gondarém, Busteliberne, Parada e o lugar da Igreja. Tem mais a quinta e morgado de Bouças de que é senhor Manuel Baltasar de Abreu de Noronha Lobo, capitão-mor deste concelho. E a quinta e morgado da Taipa de que de presente é senhor Dom Gastão José Pereira da Câmara, da cidade de Lisboa e fidalgo da Casa Real.
A igreja está encostada a uma parte da freguesia para o Nascente sita em um lugar que não tem mais do que seis vizinhos com a minha casa, ao pé de um monte chamado o Espinheiro. O seu orago é São Nicolau, Bispo de Mira. Tem cinco altares ornados decentemente que à vista da pobreza da terra se pode dizer que estão com muita decência, mas o que nela falta de cabedais supre o zelo dos fregueses, a saber: o altar-mor em o qual está a imagem de São Nicolau, da parte do Evangelho; a de São Brás Bispo de Sebastes, da parte da Epístola; e a sagrada imagem de Cristo Crucificado no meio da tribuna. E todas são imagens avultadas. A tribuna é de madeira de entalha ao moderno e toda dourada a ouro brunido. Tem sacrário do Santíssimo Sacramento para cuja lâmpada dá a comenda azeite. No dito altar se cantam todos os Domingos terceiros do mês uma missa em louvor do Santíssimo Sacramento aplicada pelos benfeitores desta confraria e se faz procissão pelo adro da igreja com o mesmo senhor. Tem o altar de Nossa Senhora do Rosário em que está colocada a sua sagrada imagem e outra imagem mais pequena da dita Senhora que serve para as procissões que se fazem com ela todos os primeiros Domingos de cada mês depois de se cantar uma missa no seu altar que todos os meses se lhe canta à custa da sua confraria aplicada pelos benfeitores desta, cujo altar está da parte do Evangelho. E da mesma se acha outro altar da sagrada imagem do Senhor dos Passos. E da parte da Epistola está o altar do mártir São Sebastião em que está colocada a sua imagem. E da mesma parte está o altar da irmandade das Almas do Purgatório as quais estão em vulto de meio relego [sic, por relevo] em um painel em o qual se acha também a Trindade Santíssima e a Virgem Senhora Nossa também de meio relego [sic, por relevo].
Tem esta irmandade das Almas por patrão ao glorioso Pontífice São Gregório Magno que se acha colocado no mesmo altar. E tem também no mesmo ao Menino Deus postos cada um da sua parte com seus perintos [sic, plintos]. Tem esta irmandade mais de oitocentos irmãos vivos. Todos os altares estão com seus retábulos e frontais de madeira de entalha ao moderno e tudo dourado de ouro brunido. É reitoria comenda de Cristo em que é comendador o Ilustríssimo e Excelentíssimo Conde de Atalaia e Marquês de Tancos. É de colação ordinária. Renderá um ano por outro cento e oitenta mil réis.
Tem esta freguesia onze capelas além da matriz, a saber: a capela das Almas do Purgatório e a capela da Sagrada Família sitas na quinta de Bouças de que é administrador Manuel Baltasar de Abreu de Lima de Noronha Lobo, capitão-mor deste concelho. A capela de Santa Bárbara sita na quinta da Fonte da Breia de que é administradora Dona Bárbara de Abreu Bacelar e Sousa. A capela de Santa Quitéria sita na quinta da Breia de Cima de que é administrador José Leite Couto de Barros. A capela de Nossa Senhora da Conceição sita na quinta da Taipa de que é administrador Dom Gastão José Pereira da Câmara da cidade de Lisboa. A capela de Nossa Senhora de Guadalupe sita no monte da Cumeeira de que é administrador David da Guerra da freguesia de São Martinho do Arco de Baúlhe. A capela de Santa Catarina sita no lugar de Sendim de que é administradora Maria Moreira Rebelo.
A capela de Santo António e Santa Luzia sita no monte chamado o Outeiro de Santo António, administrada pela devoção do povo. A esta capela concorre gente de romagem das freguesias vizinhas em dia de Santo António e Santa Luzia. A capela de São Bartolomeu, em o lugar de Celeiró do Monte, e a capela de Nossa Senhora da Lapa, no lugar de Lapela, e a capela de Santa Ana, no lugar de Busteliberne. Estas três são administradas à custa do comendador que são para administrar os sacramentos aos moradores daqueles lugares por distarem muito da matriz.
Dão as terras desta freguesia centeio, milho alvo, milhão, vinho verde não em abundância mas suficiente para sustento de seus cultores. Algum azeite, castanha e fruta de vários géneros, mas tudo mediano. É termo deste concelho de Cabeceiras de Basto como fica dito.
Não tem correio mas serve-se do correio da Raposeira que dista desta freguesia meia légua e fica pegado à cabeça do concelho.
Dista esta freguesia da cidade de Braga cabeça do Arcebispado sete léguas e da de Lisboa cabeça do Reino sessenta léguas.
No tempo do Terramoto não padeceu ruína alguma. Não faço menção dos mais interrogatórios pelo que pertence à terra por não ter de que dar conta. Nesta freguesia ainda que composta de vários montes não tem serra notável de que se possa fazer apreensão. Os montes têm vários nomes cada um conforme o sitio em que se acha. De alguns deles se pode dizer que são dedos da serra do Gerês.
Neles nasce um rio que passa de Norte a Sul e dá volta no meio da freguesia para o Nascente dividindo a freguesia em duas metades, e virando outra vez ao Sul se vai a juntar com outro rio que vem da freguesia de Santo André de Painzela aonde chamam a Ponte da Ranha. E assim fazendo ambos uma corrente vão pagar tributo de suas águas ao rio Tâmega junto à ponte de Cavez. Não tem vila alguma.
Nestes montes se acham situados os lugares de Celeiró e Lapela para a parte do Poente em um monte que chamam Monte Cavalo. E o lugar de Busteliberne fica nas raízes de outro monte que chamam Outeiro Cabra. Os mais lugares ficam no melhor sítio da freguesia encostados aos outros montes que pela variedade de seus nomes os não descrevo. Todos estes montes são comuns sem ter dono certo. Os que estão da parte do Norte e Nascente são muito fragosos e vestidos de urzeiras e carquejas e pedras muito rijas e de grão mais fino do que os dos montes da parte do Poente e Sul que estes são penedos muito grandes e de grão muito grosso e áspero. E os montes cobertos de tojo a que chamam molar e carvalhos cerquinhos e alguns alvarinhos. São mais aprazíveis à vista e melhores de andar que os de outra parte. Nestes montes também há campos e terras que produzem milho, porém o mais que dão é centeio. De uma e outra parte trazem caça de coelhos, perdizes e algumas lebres mas tudo limitado sendo que alguma coisa lhe prejudica o pouco respeito que lhe têm no tempo da criação. Também trazem caça grossa de lobos, javalis e raposas mas de tudo pouco.
Os gados que nestes montes se criam com mais abundância são cabras e também os lavradores costumam deitar os gados com que trabalham aos montes algum tempo do ano pela falta de pastos que tem nos campos. Mas tudo recolhem às noites para casa por serem os montes incapazes de se apastorarem de noite. E neste particular da serra não acho coisa de mais circunstância de que se faça menção.
Rio. Pelo meio da freguesia passa o rio como acima fica dito que o seu nome mais próprio é o rio de São Nicolau. Este no tempo do inverno é bastantemente caudaloso pelas muitas águas que dos montes lhe correm. Tem seu princípio nos confins desta freguesia em um monte chamado Víbora.
É muito pobre no seu nascimento mas mendigando cabedais dos arroios que encontra, se ostenta soberbo no seu arrebatado curso, correndo todo o ano. E sempre despenhado nos limites desta freguesia. Nele entram dois pequenos braços que vem da freguesia de São João Batista de Bucos que lhe fazem a sua corrente mais caudalosa, dando a sua entrada em um sítio chamado a ponte do Gado.
Criam-se nele trutas, bogas e escalos ainda que em pouco número. As suas margens em partes são cultivadas pelos moradores da terra e produzem os frutos que acima ficam ditos. Vai ajuntar-se com o rio de Painzela à Ponte da Ranha e ambos vão morrer ao Tâmega como já disse. Corre tão despenhado e com tantas cachoeiras que de nenhuma sorte se pode vadiar e ainda em partes se não passa pelas suas margens senão descalço e em outras nem assim. Tem três pontes de pau que duas destas tem de altura cada uma destas mais de trinta palmos. E de inverno várias vezes as cobre a água e algumas as levam. Destas está uma indo da igreja para o lugar de Sendim chamada a Ponte de Sendim e a outra chamam a de Cerdeiró que está indo da igreja para o lugar da Breia. A terceira está a Ponte do Gado e é mais baixa que as duas. Tem o rio vários moinhos para os quais tiram açudes do mesmo rio.
Tem um lagar de azeite. Sai dele por açudes três levadas, contínuas, uma em um sítio chamado a Cangada que vem para o lugar de Gondarém, Frágua e Penedo e Lamelas cujos lavradores afrutam os seus agros com ela. E duas são isentas, uma que vem para a quinta de Bouças e outra para a quinta da Taipa, com cujas águas trabalha um lagar de azeite dentro da mesma quinta.
Das mais águas do dito rio vão os povos livremente sem pagarem foro, nem pensão. Este rio pelas voltas que dá na sua corrente terá de comprido légua e meia no distrito desta freguesia. Pela parte do Poente corre outro rio mais pequeno que tem seu pobre nascimento no berço dos incultos montes do lugar de Lapela e Celeiró desta freguesia em três limitadas fontes que juntas com as mais águas que lhe vão acrescendo, fazem sua despenhada corrente para a parte do Nascente entrando na freguesia de Santo André de Painzela em um sítio que chamam Vilarinho, aonde está uma ponte de pau pela qual passam carros carregados. Neste rio também há trutas ainda que poucas e pequenas e todo o peixe de ambos estes rios é muito gostoso.
Também tem alguns moinhos e também dela sai uma levada para os moradores do Casal afrutarem os seus campos com as suas águas que saíam antigamente, mais duas isentas para a quinta da Taipa das quais uma se tem arruinado pela desidia [sic] dos caseiros. Das suas águas usam livremente os moradores daquele lugar.
Nesta terra [ainda que há bastantes fontes] nenhuma tem virtude particular mais do que serem as suas águas muito cristalinas e gostosas. Em toda a freguesia, terra, montes e rios não há coisa alguma mais de que se faça apreensão que não vá declarado nesta relação. Passa tudo na verdade.
São Nicolau, vinte e dois de maio de mil e setecentos e cinquenta e oito anos.
E eu Domingos Camelo de Sousa que esta sobre escrevi assinei. Reverendo Domingos Camelo de Sousa. O vigário António Alves Teixeira. O vigário João Ferraz Ribeiro.
Referências documentais:
IAN/TT, Memórias Paroquiais, Vol. 6, memória 62, pp. 427 a 433. – Obrigação à fábrica da capela da Quinta de Cabinbos, 1675, 17,254. – Obrigação à fábrica da capela de Jesus, Maria e José, 1740,89, 347v. – Obrigação à fábrica da capela de Nossa Senhora da Assunção, 1733, 156, 214.
Texto transcrito, com atualização da grafia e pontuação, a partir de José Viriato Capela – As freguesias do distrito de Braga nas Memórias Paroquiais de 1758: a construção do imaginário minhoto seiscentista. Braga: Universidade do Minho, 2003.