Memórias Paroquiais de Cabeceiras de Basto
Santa Senhorinha de Cabeceiras de Basto (ano de 1758)
Relação da freguesia de Santa Senhorinha de Cabeceiras de Basto.
1. Existe esta dita freguesia em a Província d'Entre-Douro-e-Minho, Arcebispado de Braga, comarca de Guimarães, concelho de Cabeceiras de Basto.
2. É de El-Rei Nosso Senhor que Deus guarde muitos anos.
3. Tem cento e dez vizinhos, pessoas de sacramento, quatrocentas e vinte e duas, menores sessenta.
4. Está situada em um delicioso vale entre dois piques nos montes um chamado por nome as Gatiras e outro o Ladário. Dela se descobrem as freguesias circunvizinhas que vêm a ser as seguintes: São Tiago de Faia que parte com esta freguesia de São Martinho do Arco de Baúlhe que também com esta mesma de Santa Senhorinha e a freguesia de Santa Marinha de Pedraça da mesma sorte e todas estas não distam meio quarto de légua umas das outras. A freguesia de São Miguel de Refojos da mesma maneira e de monte acima dito chamado Ladário se descobrem as povoações seguintes: a freguesia de São Jorge de Abadim, a freguesia de São [sic], a freguesia de Rio Douro que distam uma grande légua desta freguesia de Santa Senhorinha.
5. A este não tenho que dizer.
6. A paróquia é a principal deste concelho. Nela se fazem todas as funções principais como vem a ser a procissão do Corpo de Deus a que vão assistir o senado da Câmara e El-Rei Nosso Senhor lhe leva em conta tudo o que despenderem na dita procissão, assim do gasto da cera como do sermão; vem também assistir das freguesias circunvizinhas com suas cruzes e os eclesiásticos delas. Faz-se também a publicação da Bula a que vem assistir as ditas freguesias na forma dita. Faz-se mais o tríodo das quarenta horas com música e sermões todos os três dias a que concorre um grande concurso de povo, por não haver em todo este concelho outra alguma igreja em que se celebre a dita função. Está situada a dita paróquia fora do lugar no meio de um campo. Consta a freguesia dos lugares [à margem: aldeias] seguintes: o lugar de Rendufe, de Soutelo, de Paçô, a Costa, Outeiro Seco, Eirão, São João, o lugar do Verdelho, Barreira, Barrio, Falcão, Rocha, o lugar do Paço, a Costeira, Quinta de Costelo, Fundo de Vila, as Pereiras, lugar de Cacabelhos, a Tenda, os Chãos, Mores, Quinta do Sobrado, Lameira, Forno, lugar de Olela, Guião, Devesa, Vila Garcia, Vila de Lobos, Cainhos, Quinta da Igreja de Cima.
7. É orago desta paróquia a gloriosa Santa Senhorinha, santa esclarecida por geração e portento de Santidade. Foi esta nascida do Conde de Vieira por nome […] a qual ficando sem mãe de tenra idade o dito seu pai a entregou a sua tia freira e por nome Godinha da Ordem de São Bento que assistia em um convento que nesse tempo havia em Vieira, a qual a criou com tão boa educação que já naquela tenra idade era um portento de virtudes em tal forma que sendo pretendida de grandes qualidades para casamentos, não foi possível reduzi-la a tal estado, respondendo ao dito Conde seu pai que estava já desposada com Jesus Cristo. E que não queria mais outro estado que o que tinha de religiosa de São Bento. E foi tal o exercício de virtudes que assim a tia como a sobrinha foram ambas santas. A igreja é um templo admirável situado de Norte a Sul, tem uma fronteira com duas torres bem feitas em forma que fora do povoado não [há] outra que a iguale. Tem duas naves, uma da dita igreja, outra nave dos irmãos terceiros de São Francisco, bem forradas as ditas naves. A da igreja com painéis bem pintados com os Passos da Escritura da Criação do Mundo e a nave de São Francisco apainelada com painéis dos Santos da mesma Ordem Terceira. Tem mais uma capela em que está o Santíssimo Sacramento feito de abóbada de excelente arquitetura fechada com suas grades de ferro. Nesta dita capela existem os túmulos de três corpos santos, a saber: um em que existe a gloriosa Santa Senhorinha e Santa Godinha sua tia; e noutra em que jaz o corpo de São Gervásio, irmão de Santa Senhorinha. Os ditos túmulos em que estão os três corpos santos estão guarnecidos de belas tintas com suas letras douradas que decoram os Santos Corpos que neles jazem. Tem mais outra capela particular de Nossa Senhora do Pilar de que é padroeiro o capitão-mor deste concelho Manuel Baltasar de Abreu Lima de Noronha Lobo. Tem seis altares: o altar da capela-mor em que está a imagem de Santa Senhorinha, tem à parte do Evangelho a imagem de São Pedro; à parte da Epístola tem a imagem de São Caetano e no cimo da tribuna onde se expõem o Santíssimo está o Menino Deus, nos altares colaterais o da parte do Evangelho está a Virgem Santíssima do Rosário com São José, São Joaquim e Santa Ana; da parte da Epístola há o altar das Almas e tem a imagem de São Sebastião, São Brás. E na nave de São Francisco está o mesmo Santo e um Santo Crucifixo e Santa Iria na capela acima dita em que está o sacrário do Santíssimo Sacramento a parte do Evangelho está Santa Godinha e à parte da Epístola está São Gervásio. Tem a irmandade de Santa Senhorinha que consta de muitos irmãos, tem outra do Glorioso São Pedro que é dos sacerdotes. Tem outra das Almas. O pároco dela é abade apresentado por Dom Gastão José da Câmara Coutinho; rende cento e cinquenta mil réis pouco mais ou menos.
9. Ao nono nada.
10. Há nesta freguesia um hospício dos Capuchos de Santo António que tem seis ou sete religiosos. Não sei quem seja seu padroeiro.
11. A este nada.
12. Nada.
13./14. Tem esta freguesia as ermidas seguintes: a dos do Calvário que está em um monte fora do lugar aonde concorre muita gente das freguesias quotidianamente [e] é desta freguesia. Tem a de Santo António fora do lugar em um pequeno monte onde vai gente em o seu dia festivo com antecipada novena. Tem mais a ermida de N.ª Sr.ª da Assunção, da Quinta de Cotelo de D. Angélica, outra da Sr.ª da Conceição, de Tomás António da Quinta de Cainhos, e outra em Vila Graça de J.M.J de IIlena [sic] Leite.
15. Os frutos da terra são excelentes, admiráveis frutas de toda a casta e os frutos de maior abundância que colhem os lavradores é pão, vinho e azeite.
16. Tem juiz ordinário que é do dito concelho de Cabeceiras de Basto e tem Câmara.
17. A este nada.
18. Desta freguesia saíram dois homens insignes por Virtudes, a saber: o padre Pedro de Basto padre da Companhia o qual morreu na Índia, é natural da Quinta do Sobrado. Desta freguesia saiu mais o religioso frei André da Ordem de São Francisco do lugar do Paço desta freguesia o qual também morreu na Índia, dos quais se contam maravilhas de Santidade.
19. Tem esta freguesia no lugar de Olela um sítio em que se faz feira três vezes no ano, a saber, a 14 e 15 do mês de dezembro e a outra a vinte e quatro e vinte e cinco de fevereiro e outra que se faz no dia vinte e sete de março. Estas pagam assentos aos donos da terra e direitos.
20. Não há correio na freguesia. Serve-se do correio que assiste no lugar da Raposeira, freguesia de São Miguel de Refojos que dista um quarto de légua. Parte para o Porto à Quinta-feira, chega cá na Terça-feira.
21. Dista esta freguesia da cidade capital deste Arcebispado oito léguas e da cidade de Lisboa capital do Reino sessenta léguas.
22. Teve esta igreja antigamente um couto que concedeu a Santa Senhorinha El-Rei Dom Afonso que regia os reinos de Portugal e de Castela e de Leão em o tempo do qual tinha o dito Rei tinha preso por queixas que lhe tinham feito ao Bem Aventurado São Gervásio irmão da dita Santa. E como quer que os carcereiros lhe puseram os ferros e cadeia logo se lhe achavam quebrados e desfeitos como se fossem de barro ou lama. Fizeram isto tantas vezes que já admirados do sucesso o deram parte ao dito Rei muitas vezes o qual perguntado aos ditos carcereiros o que julgavam deste caso lhe responderam que não sabiam, que só tinham notícia que o preso tinha uma irmã mulher santa religiosa de São Bento. E perguntando o Rei em que terra morava a tal mulher, lhe responderam que morava no Arcebispado de Braga e que fazia vida muito apertada e de virtude. O Rei lhe disse que desejava ver esta mulher e mandou lha trouxessem à sua presença. Fizeram-no assim aparecendo-lhe em Toledo onde estava. E vendo-a com tão grande humildade lhe disse que pedisse o que queria lhe fizesse que de boa vontade lhe faria o quanto quisesse. Neste tempo a dita Santa lhe respondeu Rei e Senhor, peço que aquela igreja pequena que me deu meu pai ma conceda nos dias da minha vida, do que o Rei se admirou e espantou dela lhe não pedir que lhe soltasse seu irmão São Gervásio. Deu-lhe a igreja que lhe pedia e lhe mandou soltar o dito seu irmão e de mais deu-lhe um couto muito bom para a dita igreja e lhe deu sua carta a qual foi dada em Toledo. E voltando a santa para sua igreja que o Rei assim lhe deu, ainda existem marcos com que se fez a divisão; porém o couto perdeu-se. Esta dita santa nasceu em Vieira e lá foi religiosa como já dissemos. E de lá veio para aqui, edificou convento em que viveu com as mais religiosas, aqui passou da vida temporal à vida eterna a gozar da bem-aventurança, sendo de idade de cinquenta e oito anos na era de mil e vinte anos. Tem feito vários prodígios e milagres assim na vida como na morte. Mais uma doação que El-Rei Dom Pedro o primeiro, vindo a esta igreja com a senhora Dona Inês de Castro lhe fez da sua igreja de Santa Maria de Salto todos os seus frutos, casas e possessões para que o abade Gervásio [e mais] que então existia e os mais sucessores lhe dissessem uma missa quotidiana e na capela que acima dissemos aonde existem os três corpos santos, a qual ainda hoje se diz. Tem mais o dito abade a regalia de apresentar quatro anexas que vem a ser, a sobredita de Santa Maria de Salto, Santo André de Painzela, São Tiago de Ourilhe e São Bento de Pedraído as quais são coladas.
23. A este nada.
24. Nada que dizer.
25. Nada que dizer.
26. Nada.
27. Nada. O que na ordem se procura saber a respeito da serra não tenho que dizer.
1. Tem um rio a que chamam o rio de Santa Senhorinha, pequeno, tem o seu princípio na freguesia da Aboim e passa pela de Várzea Cova e pela de Passos e pela de São Clemente até chegar a esta de Santa Senhorinha. Consta de pouca água no tempo do verão.
2./3. Corre sempre mas diminuto e nele não entra rio algum.
4. Nada há que diga.
5. Em toda a sua distância é de curso quieto.
6. Corre do Poente para o Nascente.
7./8. Cria peixes trutas gostosimas [sic] e escalos bons e bogas do mesmo gosto em todo o tempo se pesca nele
9. As pescarias são livres em todo o rio
10./11. Suas margens se cultivam e dele se tiram águas que fertilizam esta freguesia. E tem muito arvoredo assim de fruto como silvestre.
12. Nada. Sempre conserva o mesmo nome.
13. Morre em outro rio; divide freguesia de Pedraça.
14. A este não tenho que dizer.
15. Tem três pontes de pau, uma a que chamam a ponte de Vagalhafos na Quinta de Vila de Lobos; outra a que chamam a ponte de Santa Senhorinha perto da mesma igreja; outra é no lugar de Olela desta freguesia. Tem uma de pedra de cantaria na freguesia de São Clemente. Tem mais outra de cantaria na freguesia de São Martinho do Arco de Baúlhe.
16. Tem nesta freguesia dois lagares de azeite, um na Quinta de Vila de Lobos, outro na Quinta de Cainhos. Tem uns moinhos na dita Quinta de Vila de Lobos, outros naquela de Sestelo.
17. A este nada tenho que dizer.
18. Livremente usam os povos de suas águas para a cultura dos campos.
19. Desde o seu nascimento até onde acaba será distância de duas léguas pouco mais ou menos. Não me consta que haja outra coisa notável e digna de se referir.
Passa na verdade em fé da qual mandei fazer esta que assinei hoje 23 de maio de 1758 Santa Senhorinha de Basto.
O abade Manuel Ferraz Ribeiro. O abade João de Lima Lobo de Noronha. O vigário Henrique de Sousa Lobo.
Referências documentais:
IAN/TT, Memórias Paroquiais, Vol. 8, memória 13, pp. 73 a 81. – Tombo da igreja, 1548, cx. 240, 10; 1548, cx. 239, 15. – Obrigação à fábrica e confraria de Santo António e seus estatutos, 1599, 6, 360. – Obrigação à fábrica da capela de Santa Quitéria, 1730, 177, 110. – Obrigação à fábrica da capela das Almas na Quinta de Bouças, 1736, 102, 18v. – Obrigação à fábrica da capela de Nossa Senhora das Dores, 1783, 219,123v.
Texto transcrito, com atualização da grafia e pontuação, a partir de José Viriato Capela – As freguesias do distrito de Braga nas Memórias Paroquiais de 1758: a construção do imaginário minhoto seiscentista. Braga: Universidade do Minho, 2003.